A Colheita

Cultura inter-temporal, Teresa Guilherme e pobreza causada por sapatilhas

E quê, como estamos? Mais uma vez obrigado por subscreveres A Colheita! Hoje, vamos ouvir a palavra de um colaborador do futuro.

Prefácio

Começando as festividades, um pouco do que se passou e se pensou nos últimos tempos:

  • O Benfica perdeu o campeonato e eu não posso falar sobre isso aqui, porque acreditem, seu eu usasse a linguagem que me passou pela cabeça a ver o jogo contra o Braga, este mail nem ia para o vosso spam sequer. Ia direto para o lixo e eu era bloqueado. Bem, não interessa, continua o maior clube do mundo e ainda pode ganhar a taça este ano. Esta edição deve chegar a vocês antes da final, portanto ou isto vai envelhecer bem ou na próxima edição falo outra vez do mesmo.

  • Primeiro mergulho do ano em Maio, que vergonha. Quando era mais novo chegava Janeiro ou Fevereiro já eu tinha molhado a nuca. Mas prontos, idade é maturidade acho eu. A vida adulta é uma seca absoluta. Um abraço ao senhor holandês que estava no rio ao mesmo tempo que eu e que não aguentou a água fria do norte. Não é pra todos meu amigo, não é pra todos…

  • Ofereceram-me uma edição lindissima do Senhor Dos Anéis no meu aniversário, uma das melhores prendas que já recebi, juntamente com o meu vinil de MF Doom e o God Of War 2 (tou a ficar velho, deus me livre…)

  • Bem, desde a última edição anunciaram três pares de sapatilhas que tenho demasiada vontade de comprar, portanto, se sentirem a necessidade de distribuir alguma da vossa riqueza para ajudar um pobre miúdo de Rendufe a cumprir o seu sonho de estar sempre bem calçado, o meu MBWay tem sempre as portas abertas para vocês.

  • Devido à ignorância do antigo Manager do Madlib, o álbum dele com o Freddie Gibbs foi posto em pausa. E se tal não bastasse, esse otário também fez com que provavelmente o álbum de Mac Miller e Madlib também foi cancelado. Espero que a vida lhe corra muito mal daqui pra frente.

  • Tive que sair mais cedo duma churrascaria para vos entregar isto a tempo e horas, façam com essa informação o que quiserem.

O email seguinte foi enviado por um repórter temporal, um correspondente d'A Colheita que tem a capacidade de viajar para tempos passados e futuros. A edição inaugural acontece em Portugal no ano 2143. Segue abaixo na íntegra a carta desse mesmo correspondente. O nome dele é Júlio. JÚLIO! Não é juninho, acreditem em mim, ele NÃO gosta que lhe chamem juninho…

"Caro Filipe, escrevo-te hoje (se bem que para ti não é hoje, quer dizer, para ti é hoje, para mim é que não. Quer dizer, é hoje para mim e para ti é uma data futura. Se bem que o dia em que tu receberes esta carta vai ser um hoje para ti e um dia passado para mim… Bem, como podes ver a viagem temporal é um conceito difícil de explicar.) do ano 2143. Pediste-me uma breve descrição de como é a vida neste século, o 22º do teu calendário.

Digo do teu calendário porque nós agora usamos um calendário diferente, em que o que vocês chamam anos nós chamamos de eleições e os minutos já não são medidos como intervalos regulares de 60 segundos, mas sim o equivalente ao tempo médio de um TikTok. Sim, ainda usamos o TikTok, se bem que aqui (ou agora) já não temos telemóveis, só mesmo o chipzinho no cérebro. Durante umas décadas ainda experimentámos substituir os telemóveis por óculos inteligentes, mas era difícil convencer as pessoas a tirar os óculos no cinema e não incomodar os restantes com o barulho das mensagens. O engenheiro informático que se lembrou que era engraçado usar o barulho das máquinas de escrever antigas como som de teclado dos óculos inteligentes foi, claro, preso e julgado. Não teve um final feliz como podes imaginar. Isso e já não se aguentava o pessoal que ia para o ginásio streamar o processo todo, então como sociedade decidimos abdicar desse privilégio para não corrermos o risco de total colapso.

É que sabes, nós aqui em 2143 não temos grandes problemas. O governo está minimamente estável, desde que se colocou na constituição uma adenda que obriga os políticos todos a dizer por favor e obrigado sempre que vão à assembleia, não houve assim grandes confusões, pelo menos que me lembre. Sabes que o espectro de atenção hoje em dia não é tão largo como era (é?) na tua época.

Sinceramente, desde que a Spinumviva ganhou as eleições e a Solverde tomou conta do SNS, já ninguém se preocupa com a corrupção, apenas assumimos que ela faz parte e pronto, damos uma parte do nosso IRS para os corruptos e cada um segue a sua vida. Se bem que, sinceramente, dispensava ter que fazer bingo no casino online sempre que quero marcar consulta no centro de saúde. É que ainda não me adaptei bem às tele consultas domésticas. Sempre que marco uma consulta holográfica com a minha médica de família tenho que limpar o pó da sala, que aquelas câmaras de 32k captam tudo.

Relativamente à cultura, ainda bem que finalmente lançaste o podcast oficial da colheita, eu já ouvi os episódios todos, que em 2143 isso já acabou á muito. Sempre vais por o link no fim da newsletter?, Bem, de volta à cultura, hoje em dia é quase tudo gerado por inteligência artificial, menos a música e a televisão que é toda feita única e exclusivamente pelo João Baião (sim, ele ainda é vivo, começamos a desconfiar que o homem é imortal). Foi uma das primeiras medidas do Governo da Teresa Guilherme. Ela foi eleita pouco tempo depois do Supremo Líder Ventura ter vendido Portugal aos Estados Unidos. Graças a Deus eles guardaram o talão e foi fácil devolver. É que aqueles gajos puseram um pé em Rio Tinto e nunca mais quiseram ter nada a ver connosco.

Mas o pior que ele fez nem foi isso, foi mesmo ter posto os romances eróticos dele no Plano Nacional de Leitura. Isso foi um bocado má onda. Segundo o que li eles nem eram assim tão maus, mas a certo ponto era impossível esconder que metade das protagonistas com quem ele se envolvia eram versões femininas do Passos Coelho. A partir do momento em que essa imagem te entra para a cabeça, não dá para continuar a ler.

Relativamente à música, a paisagem é completamente diferente, mas é muita coisa para contar aqui em carta. A bisneta da Beyoncé herdou a coroa desse culto de fãs que ela tinha e agora lança álbuns de spoken word abstrata. A crítica adora-os, mas eu juro que aquilo parece-me a mim que ela só está a dizer nomes de cidades eslovacas com sotaque jamaicano. Mas pronto, eu não percebo nada de música, portanto posso estar enganado. Sobre a Eurovisão, nós experimentámos mandar alguns nomes sonantes da música nacional depois dos Napa, mas a certo ponto o José Cid queixou-se tanto que nós decidimos criar um modelo de AI com a voz e a mentalidade dele e agora é o nosso representante permanente lá. Já não ganhamos desde então, mas o homem lá se diverte e assim também não chateia ninguém.

Bem, assim me despeço, já se faz tarde aqui na cidade e se não fecharmos as janelas cedo, quando os gangs de paddle invadem a rua à noite e fazem as suas rixas, ficamos com a casa cheia de bolas e a cheirar a Acqua di Gio e IQOS Amber. E para responder à tua pergunta, sim o Benfica ganhou mais algumas Champions desde 2025, mas não te digo quantas, para não estragar a surpresa.

Ah, e não, nunca chegámos a conseguir fazer uma cidade na lua, só uma cadeia mesmo. Mas pelo menos mandámos para lá toda a gente que ouvia áudios do Whatsapp em voz alta nos transportes públicos, portanto nem tudo são más notícias.

PS: Voltas a chamar-me Juninho e vamos ter sérios problemas.

Enviado do meu iChip 135 Pro Max"

  • Este anúncio incrível da Coinbase. Estou completamente a favor da emergência de arte ASCII. Se for em vídeo ainda por cima, melhor ainda!

  • Falando em arte ASCII e em estéticas de pixel revivalismo digital dos anos 90, este rebranding fora de série para a Uniqode feito pelos génios da Koto

  • Alguns de nós vivem numa era ou numa fase em que priorizamos experiências físicas e intimistas em detrimento do digital ou de eventos de larga escala. Um bonito exemplo disso foi a nova iniciativa dos All-American Rejects. A banda decidiu ligar-se diretamente aos fãs e abandonar os palcos, dando concertos em garagens, pistas de bowling e outros locais, muito longe dos circuitos tradicionais de concertos nos Estados Unidos. Honesto, direto ao consumidor e sem imposição de multinacionais. Faz-me lembrar uma certa newsletter assim mais pro verde 😂

  • Esta incrível compilação de selos Africanos até me dá vontade de começar a colecionar selos, mas acho que não posso ir por esse caminho, a carteira não ia aguentar

  • Bogdan Girvodan e este incrível ensaio fotográfico em que visita 10 casas diferentes mas idênticas no mesmo complexo de apartamentos.
    Super interessante a maneira como a decoração de interiores nos dá uma perspectiva sobre a expressão pessoal e a maneira como nos relacionamos com os nossos espaços próprios.

  • Lupe Fiasco é um génio. Um dos melhores liricistas de sempre. Sempre inventivo, sempre um passo ao lado. Desta vez, um grupo de faixas, gravadas in loco em vários espaços públicos do MIT, de freestyle e produzidos na hora. Vinhetas auditivas, apenas possíveis num determinado tempo e num determinado espaço. E a arte é isso, imortalizar um momento. Lupe Fiasco é o gajo!

  1. Viktor Vaughn - Lickupon: Vocês conhecem o vilão, o mais pesado. Barras atrás de barras, sempre embrulhadas em instrumentais groovy. ALL CAPS!!

  2. Stevie Wonder - Master Blaster: Um bom teste de personalidade seria testar a capacidade de alguém resistir a dançar quando esta música toca. Não confiem em pessoas dessas!

  3. NBC - Maturidade: Rap tuga dos anos 2000, é preciso dizer mais alguma coisa? Se for, então é o seguinte, a faixa perfeita para este tempo de calor incrível que temos tido

  4. Parteum - Raciocínio Quebrado: Rap puro e duro, sem espinhas!

  5. Asap Twelvyy - On My Axis: Ler acima.

  6. Kali Uchis & Peso Pluma - Igual Que Un Ángel: Kali Uchis a tornar-se rapidamente uma das artistas mais me capta a atenção. Refrões orelhudos que se colam na nossa cabeça e são impossíveis de tirar. Progressões melódicas impressionantes e uma mistura de retro pop com a quantidade certa de identidade latina, merece a vossa audição!

  7. 7. Hard Life - Othello: Uma agradável surpresa desta última quinzena, esta nova estética que eu ainda não sei bem escrever mas que bebe muito ao rap, ao r&b e ao indie rock continua a produzir grandes resultados.

  8. Quevedo - Colombia: Com a quantidade de música latina e brasileira que tenho ouvido, acho que está na hora de se juntarem e me comprarem um bilhete para ir visitar a América do Sul, fiz anos á pouco mas ainda vão a tempo

  9. Valas, Slow J e Lhast - Alma Velha: “Alma velha eu sei, quantas páginas vireiiiii…“. Intemporal.

  10. Napa - Deslocado: Não deixem que vos convençam do contrário, é o som.

  11. Ab-Soul com Jasonmartin e Thirsty P - All That: aquele rap simples com um samble de teclas minimalista e MC’s de primeira linha por cima a brincarem com palavras, básico e direto.

  12. Goodie Mob - Trans DF Express: confiem, esta é daquelas.

  13. Domo Genesis & The Alchemist - The Feeling

  14. Expensive Soul - 13 Mulheres: epah, tive o fim de semana todo a desconectar e a apanhar sol, claro que esta tocou bué vezes

  15. Ed Mota - Tem Espaço Na Van: Ed Mota pode ser meio otário, mas meu deus que o homem faz boa música.

e como sempre, podem consultar a playlist aqui:

E uma pequena surpresa 🫠 um fdp dum podcast que já tem dois episódios. Ouçam e subscrevam, está no Apple Podcasts e Spotify, recebam o podcast na vossa plataforma de escolha. Vai ser semanal e prometo que vou arranjar um microfone pra isto ficar mais bem gravado! Se costumarem estar comigo pessoalmente, digam-me o que acharam em pessoa. Se não têm essa possibilidade ou esse hábito, já sabem, DM. Responderei com um meme se tiver à mão.